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Em defesa da gestão pública da água e da autonomia de cada município

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Nos últimos dias sucederam-se por parte de responsáveis do Partido Socialista (PS) reações sobre as deliberações que as assembleias municipais de Beja e Castro Verde tomaram, rejeitando as propostas das respetivas câmaras sobre a agregação dos serviços e a entrega da gestão das águas a uma empresa. Isso que transformaria a água num negócio, aumentaria substancialmente as tarifas na maioria dos municípios envolvidos, criaria perturbação na situação laboral dos trabalhadores envolvidos e daria novos passos no caminho da privatização, quer seja a direta quer seja a indireta.

É, aliás, uma pretensão muito antiga dos governos do PS e do PSD e CDS capturar uma gestão que se deve manter municipal.

Para os que possam ter ficado surpreendidos com as deliberações tomadas, importa relembrar que em Fevereiro de 2018 já essas duas assembleias municipais, por iniciativa dos eleitos da CDU, se tinham pronunciado sobre o assunto. E vale a pela transcrever o conteúdo do que aprovaram, no caso de Beja por unanimidade e no caso de Castro Verde por maioria com a abstenção do PS:

“A situação em que se encontram os sistemas de águas e saneamento na região exige a realização de investimentos em especial a nível da renovação e reabilitação das redes e a tomada de medidas para a melhoria da eficiência hídrica.

Relevando as obras que estão a ser realizadas em alta, embora registando os seus atrasos, torna-se agora necessário que o Governo disponibilize através dos fundos comunitários os meios financeiros para que cada um dos municípios possa realizar os seus investimentos.

Foi publicada no dia 19 de Fevereiro a Resolução da Assembleia da República n.º 51/2018 que ‘recomenda ao Governo que assegure o acesso de todos os municípios sem restrições aos fundos comunitários para investimentos no ciclo urbano da água, (...) através’, entre outros, ‘do reforço do financiamento do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos; (...) que financie a título de fundo perdido as seguintes tipologias de operação: a) controlo e redução de perdas nos sistemas de distribuição e adução de água em baixa; b) renovação de redes de abastecimento de água em baixa, com a substituição de material de condutas de água que não garantam a sua função, ou que provoquem riscos para a saúde humana (...); d) reabilitação dos sistemas de drenagem de águas (...)’.

Sobre este tema, refira-se que em 2017 a Associação de Municípios para a Gestão da Água Pública no Alentejo (AMGAP) promoveu a realização de um ‘Estudo de Diagnóstico e Caracterização das Entidades Gestoras e das Redes de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais em Baixa dos Municípios da AMGAP’, cujo relatório final e documentos complementares foram disponibilizados aos 20 municípios, tendo-se realizado em Grândola um seminário para apresentação e discussão das conclusões.

No ponto 7, ‘Ações a realizar’, foram identificadas ações de carácter geral e de carácter específico que constituem um importante instrumento de atuação neste sector.

Consideramos que o importante é concretizar o definido no aludido estudo, que aponta a possibilidade de parcerias colaborativas de geometria variável, sem que tal implique a alienação da gestão por cada um dos municípios e a criação de uma nova entidade gestora quaisquer que seja a sua característica.

Tendo em conta o exposto, a Assembleia Municipal (...) defendendo o princípio da gestão pública da água e da autonomia de cada município, recomenda à Câmara Municipal que:

  1. Reclame junto do Governo o cumprimento da resolução aprovada pela Assembleia da República;
  2. Diligencie a aplicação das conclusões do estudo promovido pela AMGAP;
  3. Assegure que manterá a gestão do sistema de água e saneamento em baixa sob a sua responsabilidade”.

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Ora aqui está o que devia ter sido feito. Qualquer afirmação que se faça agora de que as decisões tomadas estão a bloquear o investimento é completamente despropositada.

Desafia-se por isso as autarquias locais a reclamar junto do Governo (se este estiver mesmo interessado em melhorar os serviços de águas na região) a disponibilizar no âmbito dos fundos comunitários os recursos financeiros para o investimento. Não apenas os 51 milhões que eventualmente seriam disponibilizados para essa empresa, mas muito mais do que isso para cobrir todas as necessidades de investimento nos diversos municípios. E que essa disponibilização seja feita sem discriminações e sem restrições.

A gestão dos serviços de águas e de saneamento deve constituir uma prioridade da gestão autárquica. Que não passa por alijar uma responsabilidade assinando um contrato por 40 anos.

Uma última nota para os que, aparentemente, não compreendem porque é que as autarquias CDU estiveram na origem da parceria pública em alta e agora rejeitam uma solução com a mesma moldura para a distribuição em baixa.

É mesmo isso, nem todas as telas assentam bem na mesma moldura. E o objeto de uma não tem a nada a ver com a outra. São coisas distintas. Alienar a distribuição em baixa é mesmo abandonar o setor. É perder o controlo democrático sobre uma competência essencial para as autarquias. Além disso, no seu conteúdo há diferenças significativas na forma de aplicar a moldura que são penalizadoras para as câmaras municipais e para os consumidores.

O PS ficou claramente isolado neste processo. Que começou com uma diligência iniciada por 12 autarquias PS. Que passou a oito e que agora, fruto desta situação, passaria a seis, sendo que parte significativa destas, optou por não submeter ainda o assunto aos órgãos autárquicos, o que demonstra diferentes níveis de envolvimento e sobretudo que faltou consistência na forma como o processo se desenvolveu.

Mas é claro que não é esse o problema fundamental. A questão essencial é que este tipo de solução não serve nem as populações nem os municípios. E que há alternativa, como bem indicaram as assembleias municipais já no início de 2018.

30 de Junho de 2019