«Que o ser humano vive da natureza significa que a natureza é o seu corpo, com o qual ele precisa estar em processo contínuo para não morrer. Que a vida física e espiritual do ser humano está associada à natureza não tem outro sentido do que afirmar que a natureza está associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza.»
Karl Marx, Manuscritos Económico-Filosóficos, 1844.
Karl Marx contribuiu decisivamente para o progresso do debate sobre a relação entre economia e natureza, ao interpretar a acumulação capitalista através das suas contradições sociais, ao contrário da concepção clássica liberal, baseada restritamente nas limitações naturais. De acordo com as análises de Marx, a continuidade do modo de produção capitalista, orientado, prioritariamente, pela maximização dos lucros, conduz, tendencialmente, a uma crescente exploração, alienação e expropriação da força de trabalho, por um lado, e, por outro, à deteriorização da base de produção económica, da fonte da riqueza, ou seja, da natureza.
Importa-nos a reflexão sobre como esse debate evoluiu no decorrer dos tempos? E qual é a atualidade do pensamento marxista diante a crise ecológica mundial?
Para compreender profundamente a complexidade da destruição ambiental é necessário analisar as suas condições históricas e sociais. No modo de produção capitalista os interesses do lucro definem de maneira decisiva as inovações técnicas, as condições de produção, a qualidade dos produtos assim como a sua sustentabilidade ecológica e social. Ao contrário do que afirmam os apologistas da economia de mercado, os interesses do lucro não garantem nem a sustentabilidade social e ambiental, nem o desenvolvimento e a introdução de produtos orientados para uma reutilização, controle e proteção dos recursos naturais. Na economia de mercado capitalista a interação entre ser humano e natureza tende a ser eliminada e reduzida à relação de dinheiro, isto é, à pressão do mercado por um constante aumento da produção de mercadorias, que domina a ordem social em prejuízo do ser humano e da natureza.
A lógica limitada da maximização dos lucros e o produtivismo dela resultante evidenciam que a ideia de um “capitalismo sustentável” orientado no mercado é ilusória, porque a produção limpa e verde somente pode ter uma existência em forma de nicho, mas não consegue influenciar o sistema como um todo. O capitalismo não conciliará a economia e a ecologia. O Capitalismo não é Verde.
A atualidade conta com a propaganda das instituições europeias e dos interesses capitalistas que à escala global avisam que o combate às alterações climáticas é imprescindível para a continuidade da vida do planeta. Anunciam o fim do mundo, ao mesmo tempo que anunciam receitas mágicas neoliberais com máscaras ecológicas para a salvação do mundo.
A generalidade dos partidos políticos reproduz acriticamente a propaganda institucional do Parlamento Europeu no que diz respeito às alterações climáticas, sem fazer a necessária crítica aos mecanismos que o capital quer implementar a propósito de problemas ambientais.
Nos últimos tempos temos assistido à transformação dos principais representantes do capital em ambientalistas convencidos em convencerem-nos que o capitalismo é natural como a nossa sede e que a crise ecológica é uma consequência inevitável da história humana e que não depende das relações sociais e económicas, que está acima da política e, que não é uma consequência do paradigma relacional da plutocracia com a natureza.
Haja bom senso pois as declarações sobre a «luta climática» de personagens como a Christine Lagarde, Guterres, Juncker, ou a forma como Macron utilizou as questões ambientais para justificar medidas antipopulares na França, mas também a forma como as utilizou para justificar medidas que condicionam o desenvolvimento de países africanos, numa atitude claramente neo-colonial, ajudam a compreender as intenções por detrás de toda esta ofensiva.
Uma ofensiva que usa a chamada greve climática para acicatar um falso conflito geracional e que procura passar a mensagem de que os problemas ambientais se resolvem com simples recurso à tecnologia, a mecanismos financeiros e especulativos e à taxação dos comportamentos individuais a mercados e consumos verdes.
O desenvolvimento atual das forças produtivas, conforme o seu conteúdo, a sua utilização, o seu acesso e a sua distribuição global, demonstra que a sociedade industrial capitalista não tem condições de solucionar os problemas ecológicos e sociais que gera. A externalização de custos sociais e ambientais atinge mais fortemente os países e zonas mais pobres, predominantemente rurais, como o nosso Alentejo.
A desertificação e o despovoamento constituem problemas estruturantes para o desenvolvimento social, económico e produtivo. Preocupa-nos que grande parte do nosso território esteja a ser ocupado com modos de produção intensiva e superintensiva que visam o lucro e o descompromisso com o desenvolvimento humano. As propostas da CDU para o Distrito de Beja, nestas matérias, são que a produção e os trabalhadores agrícolas sejam valorizados e que o desenvolvimento da agricultura dê resposta às necessidades estratégicas de soberania agro-alimentar, de desenvolvimento rural e de equilíbrio demográfico da região e assente na diversificação da atividade agrícola, na defesa do montado, das fileiras da cortiça, dos recursos silvestres, das produções hortofrutícolas e das raças de gado autóctones e de outras actividades associadas. Defendemos que a dinamização do regadio, salvaguarde os aspectos patrimoniais e ambientais, a par da concretização de políticas para a agricultura de sequeiro, incluindo a valorização do modo de produção biológico nas suas diversas vertentes. Reivindicamos a conclusão dos processos de electrificação rural e melhoria dos acessos às explorações, através de um programa de intervenção nos caminhos agrícolas e rurais que valorize a agricultura familiar.
Relativamente às políticas de valorização ambiental na qual se incluem o desassoreamento do rio Guadiana, de forma a garantir a sua navegabilidade e aumentar o seu potencial aproveitamento económico, defendemos a valorização das linhas de água, bem como das áreas da Rede Natura e dos Parques Naturais, cuja gestão se deve manter no domínio público, potenciando o seu contributo para o desenvolvimento regional, nomeadamente através do estabelecimento de Planos de gestão que compatibilizem a proteção dos valores ambientais e a actividade humana nos territórios. Reivindicamos a realização dos investimentos previstos no sector do abastecimento de água e garantia de acesso das autarquias a fundos estruturais para investimentos na rede em baixa e combater as continuadas tentativas para a sua privatização. Comprometemo-nos a apresentar legislação que proteja o montado como sistema sustentável de grande valor económico e ambiental, e a exigirmos medidas efectivas de monitorização e controle, designadamente dos efeitos na saúde pública e na paisagem, contra a concentração e proximidade das produções agrícolas intensivas e super-intensivas junto das populações e áreas urbanas.
Importa-nos trabalhar junto dos que olham para as questões ambientais com legítima preocupação, sem deixarmos de denunciar quais são os planos do capital nestas áreas, no sentido de aumentar a consciência e canalizar para o sítio certo a preocupação e o descontentamento.
Marx afirmou o problema da destruição ambiental antes da existência dos movimentos ambientalistas modernos. A sua compreensão de alienação do trabalho está associada ao entendimento da alienação do ser humano relativamente à natureza. Foi essa dupla alienação que o filósofo propôs analisar. Com isso, a sua contribuição continua extremamente atual, para evitar a armadilha ideológica de redução do debate ambiental a uma questão de afirmação de valores, à moralização da economia ou a uma falsa dicotomia entre ecocentrismo e antropocentrismo. Na busca de saídas da crise ambiental, é necessário compreender como a relação humana com a natureza está associada a relações materiais e sociais. Essa concepção marxista da natureza e a sua relação com a concepção materialista da história demonstram que o pensamento social de Marx está profundamente associado a uma interpretação Humanista do mundo, que continuaremos a defender para que não se apaguem as responsabilidades do capitalismo na degradação da Natureza e para que o modelo social transformador e progressista se torne real para todos os povos do mundo.