Museu de Beja – Processo de “expropriação” em curso

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Vários acontecimentos marcaram o início deste ano com implicações no setor da cultura e com incidência no Museu Rainha D. Leonor.

 

Em 30/01 é publicado o Decreto n.º 22/2019 que visa concretizar a transferência de competências para os órgãos municipais no domínio da cultura, incluindo a gestão, valorização e conservação de museus que não sejam denominados museus nacionais.

Em 7/02 é aprovado um Decreto que se encontra em fase de consulta pública até 15/03 que estabelece o regime jurídico de autonomia de gestão dos museus, (...), incluindo a transferência do Museu Rainha D. Leonor para a Direção Regional de Cultura do Alentejo.

Em 15/02 o deputado do PCP João Dias é um dos subscritores de perguntas formuladas ao Ministério da Cultura sobre o processo de transferência do Museu.

Em 28/02 o PCP apresenta na AR um projeto de resolução em que se recomenda ao governo a realização de um programa de emergência para a valorização dos museus, palácios, monumentos e sítios arqueológicos, partindo-se do pressuposto que “a montante de um regime de autonomia mais favorável do que o quadro atual, é necessário promover alterações e aumentar o investimento, alicerçando os museus para que possam cumprir cabalmente a sua missão” exigindo “uma intervenção de fundo que os dote, a muito breve trecho, (...) de todos os meios materiais e de todos os trabalhadores, em número e com vínculo permanente, necessários à garantia de existência de um verdadeiro serviço público de cultura”.

A nível da CIMBAL o tema do Museu apenas foi abordado ao longo deste mandato, em 3 reuniões do CI. A primeira a 15/01/2018 para alterar a composição do júri do concurso público para a empreitada de reabilitação do Museu sem que se conheça qualquer deliberação posterior sobre o assunto, sabendo-se também que estava prevista no âmbito do Alentejo 2020 um financiamento para o efeito e que a decisão sobre o lançamento deste concurso foi tomada em 21/10/2017. A segunda a 10/09/2018 onde foi feita uma abordagem das soluções futuras sobre o Museu, referindo-se a solução que parece ter sido a que se pretende agora adoptar, mas sem se ter tomado qualquer deliberação ou chegado a qualquer conclusão, tendo o Presidente da Câmara de Ferreira do Alentejo afirmado que o processo lhe parece surreal. A terceira a 13/02 apenas a título informativo.

O Plano da CIMBAL para 2019, não apontam com clareza nenhuma solução futura para o Museu, reiterando que está “prevista a intervenção no edifício sob a forma de empreitada e com recurso a apoios comunitários” e a única referência às negociações são no sentido do envolvimento do Ministério da Cultura na reabilitação do edifício e na “valorização do magnífico espólio que acolhe”. É importante referir que o edifício onde está instalado o Museu é propriedade do Estado.

O Museu passou por diversas fases em termos de responsabilidade, Câmara de Beja, Junta Distrital, Assembleia Distrital e mais recentemente Cimbal, alterações que foram sempre impostas por decisões centrais, causadoras de instabilidade, tendo os municípios, nesta última, decidido proteger todo o património que sempre foi da região mantendo-o em estrutura regional apesar de todas as dúvidas.

No que se refere às Assembleias Distritais cuja existência nos termos constitucionais tinha um caráter transitório até à instituição das regiões administrativas sempre tiveram um caráter ambíguo, tendo vindo a perder importância, sendo o seu financiamento inicial dividido entre os municípios que a integravam e o orçamento de Estado e numa fase posterior passando a ser apenas da responsabilidade municipal. Esta situação criou dificuldades acrescidas às Assembleias Distritais que herdaram património significativo das Juntas Distritais e no caso de Beja teve um período mais agudo no mandato 2009-2013 com a Câmara de Beja de gestão PS a suspender os seus pagamentos e a pressionar para a diminuição da sua comparticipação.

Num quadro de subfinanciamento do Poder Local, e de fuga às responsabilidades nesta matéria por parte de vários governos do PS, PSD e CDS e num traço comum de decisões unilaterais que foram agravando os problemas chegámos à situação presente que se configura com a transferência da gestão, por uma “expropriação” tendo em conta que não há qualquer deliberação até ao momento da entidade proprietária do Museu.

A denominada gestão tripartida que agora se propõe, e de que não se conhecem os termos, não tem correspondência no decreto aprovado a 7/02. Tal como não se está perante uma simples integração na rede de museus do ministério da cultura. Rede de museus é uma coisa. Transferir a gestão é outra.

Importa valorizar o esforço dos que sempres defenderam o Museu o seu carater e acervo regional, destacando-se o papel dos seus trabalhadores, dos que nunca tomaram decisões unilaterais que pusessem em risco os pagamentos e obrigações com os trabalhadores. Não é justa alguma critica hoje, relativamente à responsabilidade assumida pelas autarquias, e o estado em que hoje se encontra o Museu, quer na falta de intervenções de recuperação, quer na confusão de gestão. Não fora a dedicação e esforço financeiro dos municípios até hoje e o que seria o Museu, perante a desresponsabilização central, desde logo por não se terem criado as regiões administrativas, única solução que permitia a extinção das assembleias distritais detentoras da propriedade do nosso Museu e outros equipamentos. Foram mais de 40 anos de esforço financeiro e dedicação, para assumirem aquilo que devia ser de responsabilidades de outros.

Também se assiste a um subfinanciamento no setor da cultura. São caraterísticas comuns das políticas governativas de PS, PSD e CDS que se preocupam mais em dar resposta às imposições da União Europeia e na redução do défice do que investir em cultura. E este aspeto é motivo de grande preocupação sobre o futuro da gestão do Museu, seja qual for o modelo de gestão.

A solução final não pode ser uma mera “expropriação” e tem de passar pelo respeito pelas competências de cada entidade, pela clareza no seu relacionamento, por uma delimitação clara de quem faz o quê, da garantia dos direitos dos trabalhadores e de reforço do quadro de pessoal, e pela existência de um financiamento adequado que dê resposta às necessidades de reabilitação do edifício, de valorização do seu acervo, de ligação à comunidade e da concretização de um plano de desenvolvimento do Museu.

Março de 2019

José Maria Pós-de-Mina